segunda-feira, 11 de abril de 2016

Montemor-O-Velho

"Entre escombros, na rudeza
da vetusta fortaleza,
batidas do vento agreste,
empedernidas, cerradas,
há duas arcas pejadas
uma d’oiro, outra de peste.
Ninguém sabe ao certo qual
das duas arcas encerra
o fecundo manancial,
que fartará d’oiro a terra
mesquinha de Portugal,
ou qual, se mão imprudente
lhe erguer a tampa funérea,
vomitará de repente
a fome, a febre, a miséria,
que matarão toda a gente!
E nestas perplexidades
e eternas hesitações,
têm decorrido as idades,
têm passado as gerações;
nas guerras devastadoras,
nas lutas brutais e ardentes
entre as raças invasoras
e as povoações resistentes.
Nunca romanos nem godos,
nem árabes, nem cristãos,
duros na alma, e nos modos,
rudes no aspecto e no trato,
chegaram ao desacato
de lhe tocar com as mãos.
Sempre que o povo faminto,
maltrapilho ou miserando,
fosse ele cristão ou moiro
entrou no tosco recinto
para salvar-se, arrombando
a arca pejada de oiro,
Quedou-se, os braços erguidos,
a olhar atónito e errante,
sem atinar de que lado
vinha morrer-lhe aos ouvidos
uma voz de agonizante,
entre ameaças e gemidos:
- Ó Povo de Montemor,
se estás mal, se és desgraçado
suspende, toma cuidado,
que podes ficar pior!
E nestas perplexidades,
e eternas hesitações,
hão-de passar as idades,
suceder-se as gerações,
e continuar na rudeza
da vetusta fortaleza,
batidas de vento agreste,
empedernidas, cerradas,
as duas arcas pejadas,
uma d’oiro outra de peste."
Conde de Monsaraz





























Fotos: António Jorge Barriga

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